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Treinadores novos, Treinadores velhos (?)

Updated: Apr 22, 2020



Novos e velhos. Uma questão intemporal. Em várias áreas da sociedade. Muitas vezes apreciada como uma dicotomia, é, na esfera dos treinadores de futebol, mais um exemplo.

Podendo este tema, treinadores novos e treinadores velhos, ser analisado sob diversos prismas, tomemos por essenciais alguns pontos.


Cultura


A Cultura, enquanto saber, abrange um domínio que transcende idades. Cultura é aquisição de conhecimento, é algo vivenciado pelas nossas experiências. Vi ao vivo a estreia de João Moutinho pela equipa principal do Sporting. Aos 17 anos era um jogador já com grande Cultura de jogo. E pronto para jogar.


No caso dos treinadores, a Cultura enquanto saber, engloba uma série de experiências que vão desde o dia-a-dia nos clubes, treinos, jogos, estudo, reflexões, entre tantas outras também não relacionadas directamente com a actividade laboral do treinador. Manuel Cajuda resumiu esta ideia: “o que é a aprendizagem? A aprendizagem é algo que retiramos de qualquer experiência, seja ela no treino, seja ela numa conversa com um amigo num café por exemplo…”


Transposta depois para o desempenho de um Treinador, a Cultura, ou seja o saber que, entre outras valências, define a capacidade de um Treinador ter sucesso, não é objectivável. Não tem propriamente idade.




Longevidade e idade biológica


Longevidade. Condição para avaliar com… qualidade. A consistência que um treinador exibe anos a fio, com diferentes equipas é aferidora do seu mérito e rigor. Leva tempo para se avaliar com consistência.


Esse saber não se constrói num ano ou dois, leva tempo. Vai sendo refinado. A paciência é algo que os mais novos deverão, na minha opinião ter. Vislumbrar sim, mas reconhecendo que sem uma base forte (que se vai construindo), a consistência será difícil.


Nesse caminho, o treinador vai amadurecendo. Mas do início ao fim, se não houver uma contínua retro-alimentação, o treinador emperra. E emperrar sim, torna o treinador velho.

A retro-alimentação é movida por paixão, interesse, busca, emoção por conhecer coisas novas, procurar melhorar, ser-se insatisfeito. Nessa perspectiva, um treinador cronologicamente novo pode emperrar se não o fizer, e, ao invés, um treinador velho pode continuar esse amadurecimento se continuar a ser pro-activo.Nessa perspectiva, pode haver treinadores novos que são velhos e treinadores velhos que são novos.


Deepak Chopra (21 best sellers do New York Times), no seu livro Super-Cérebro, invoca a dinâmica da mente, como um dos factores preponderantes ao anti-envilhecimento e descreve as influências inclusive biológicas por exemplo nos telómeros, estruturas das extremidades das células que vão perdendo comprimento à medida que se envelhece, comprimento este indicador do grau de envelhecimento biológico. Uma mente que se mantém activa inibe o encurtamento dos telómeros das células e rejuvenesce-as, quando em comparação com uma mente que estagnou. Jorge Jesus e Vítor Oliveira são neste momento, exemplos flagrantes de treinadores velhos que ainda são novos.


A idade real, é um conceito complexo que resulta de inúmeros factores. Vejam no caso dos jogadores, por exemplo. Jogadores da mesma idade cronológica podem ter diferentes níveis de desempenho em função de como se cuidaram, da sua motivação (Ronaldo por exemplo), se sofreram ou não lesões graves durante a sua carreira, etc.


Oferta e procura


É reconhecida a muita oferta (quantidade de treinadores) para a pouca procura (clubes). E é latente, entre os próprios treinadores, a existência de uma concorrência novos e velhos, como um meio para sobreviver.


Não creio que deva ser por aí. Há questões mais estruturais, pelas quais não quero entrar neste momento, que ditam a excessiva oferta para a pouca procura, a qual não creio ser positiva.

Novos e velhos têm a ganhar mutuamente com mais partilha, ligações e cooperação.

Há treinadores com mais de 500 jogos nas competições profissionais, exemplo de Manuel Machado, e que estão neste momento sem treinar, embora com muito para dar.

Há treinadores novos que, tendo potencial, também podem ter a sua oportunidade para mostrar o seu valor.

Isto pode ser positivo para o Futebol e para a classe de treinadores.


Aprendizagem de lá para cá e de cá para lá.

O enriquecimento e a evolução acontecem quando somos confrontados com debate, quando ouvimos mais que uma perspectiva, quando fazemos perguntas, quando confrontamos ideias. Provocar um certo desconforto intelectual é necessário.


Já lá vai o tempo em que por exemplo o adjunto servia apenas para carregar bolas e coletes. Não vejo mal nenhum um “Treinador velho” ter abertura àquilo que adjuntos mais novos podem aportar à sua equipa técnica, inteirar-se inclusive da lógica que norteia a sua intervenção particular dentro daquilo que são áreas de cada treinador.


Só vejo vantagem em o “Treinador velho” fazer raciocinar os seus adjuntos, colocar-lhes questões de como resolveriam esta situação ou aquela se estivessem no papel dele.

Assim como não vejo mal nenhum, pelo contrário, um Treinador principal novo, ter “treinadores velhos” como adjunto.

Estágio com Manuel Cajuda no Ac. Viseu
Estágio com Manuel Cajuda no Ac. Viseu

A questão está em saber articular no seio de uma equipa técnica as características de cada. Um treinador é, como diz Manuel Cajuda, "um gestor de competências de outros".




Simbiose

Na hora de contratar, os dirigentes também estão expostos à tendência do rótulo novos-velhos. Mas se não, analisemos, ao contratar um dito “Treinador Velho”, contratamos só o Treinador ou contratamos a EQUIPA TÉCNICA da qual ele é o gestor da competência de outros? Um Treinador com 68 anos se se fizer rodear de um adjunto com 45 anos mais um outro com 32 dá uma média de … 48,3 anos de idade, um número bastante “equilibrado”. Depende da articulação.

Desprezar por um lado o potencial dos mais novos, invocando inexperiência, ou por outro, olhar com receio uma aposta nos mais velhos, invocando estarem velhos ou serem treinadores caros (às vezes o que é barato sai caro), ambas são, isso sim, um risco.

Por um lado, no primeiro caso, condição essencial para se ser bom treinador é a inteligência. E esta adquire-se por diferentes vias, da qual a experiência laboral é uma (embora com peso significativo). Mas o treinador novo, mesmo não lhe sendo dada oportunidade não deixa de ser inteligente e, como tal, potencialmente candidato a ter sucesso se a mesma lhe for concedida. Estando um médico habilitado a tratar da doença, não é qualquer pessoa que, por já ter estado doente, tem a habilitação para ser médico.

No segundo caso, invoco novamente a questão da idade biológica; a forma como é visto o Treinador Principal (velho) - como Treinador isoladamente, ou como gestor de uma equipa técnica (com que média de idades?); e a questão do que é ser um Treinador caro - não depende esta questão do retorno que pode trazer para o clube (vejam Vítor Oliveira)?

Termino, socorrendo-me novamente de pontos e concepções que foram aqui evidenciados. A Cultura é um saber adquirido, que decorre de um conjunto de experiências multi-disciplinares e que não está relacionada directamente com a idade.

Na medida em que a realimentação contínua do conhecimento é aquilo que contraria a estagnação, há treinadores novos que são velhos e velhos que são novos. Com estagnação a paixão não flui e a consequência é natural: desmotivação, desinteresse, maus resultados.

Não creio ser positivo olhar para esta questão novos-velhos como uma dicotomia, sim como uma simbiose, algo que pode beneficiar dinâmicas de equipas técnicas, beneficiar os campeonatos, beneficiar a formação de treinadores e beneficiar o próprio mercado.

Abrir a mente está ao alcance de todos e o enriquecimento que advém daí. As comparações serão possíveis e os resultados melhor analisados. Rotular é, em certa medida, afastar algumas possibilidades à partida.

Deixemos de ser tão “concretos” na hora de rotular e vamos realmente tornar concreta a análise.

Afortunadamente, dei comigo com uma entrevista recente de Mourinho à Fox Sports Brasil, onde este expressa uma opinião que encaixa que nem uma luva neste tema e que no fundo também o resume:

A propósito do sucesso de Jorge Jesus no Flamengo, Edmundo perguntou depois a Mourinho se os treinadores portugueses eram os melhores do mundo, actualmente.

«Não acho. Os bons treinadores não têm passaporte, nacionalidade ou idade. Não pertencem a gerações. Não há treinadores novos nem velhos. Os velhos nos passaportes são ricos em experiência. Há treinadores bons e maus. Podemos estar com uma geração que tem muitos treinadores espalhados pelo mundo, e isso dá-nos uma perspectiva de grande positividade.» respondeu.

Mourinho, em entrevista à Fox Sports Brasil (fonte: Mais Futebol)

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