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Foto do escritorCarlos Miguel

A Orgânica do jogo do City



Após o Sporting 0-5 City em 2021/22, escrevi um artigo a que dei o nome de "A variabilidade do Padrão do City" (deixo ligação no final deste artigo). Nesse artigo, usei variabilidade do Padrão como um termo para abordar a problemática da dicotomia entre Padrão - como a Invariância Macro de um jogar - e variabilidade - enquanto aspecto circunstancial, mais micro, relacionado com a espontaneidade- tendo evidenciado o jogar do City como exemplo onde ambos co-existem como duas faces da mesma moeda, evoluindo em simultâneo.

É novamente em torno dessa ideia e desse exemplo que irei agora redundar.


Orgânica


Presentemente optarei por usar um termo diferente: Orgânica. Orgânica por ser um termo que me parece reforçar, por analogia, a ideia com que ficamos, quando olhamos para um jogar de uma equipa, se o mesmo expressa vida, entendendo o fenómeno vida como uma organização não-mecânica (Orgânica), regulada por uma Intenção Colectiva que a sobredetermina (conferindo-lhe um Padrão e Invariância) e que, simultaneamente, é recriada no calor do jogo e da Acção pelos jogadores (conferindo-lhe variabilidade e criação).

Variabilidade do Padrão (termo usado no primeiro artigo) e Orgânica (termo usado neste) são, no âmbito desta ideia, termos sinónimos.



City- Um jogar Orgânico


Redundância

O jogar do City assenta em princípios que não mudam: um Padrão de passe seguro e circulação de bola com Intenção de romper, abrir espaços no adversário, com uso da largura e fixações verticais para possibilitar espaços interiores de onde nascem muitos dos desequilíbrios. Há uma Organização, uma Dinâmica Inteligente e Intencional que lhe dá Contexto, Postura e Valores. Trata-se de uma Matriz Cultural, uma Identidade, que modela a emergência da sua forma de jogar.


"Não há nada melhor para um treinador do que ter uma equipa que está convencida das ideias que ele quer aplicar. Isso é o mais importante."
Pep Guardiola na antevisão do jogo com o Sporting

Dinâmica com Dinamismo


Também ela, a Organização, é (re)criada pelos jogadores. No momento (aqui e agora) os jogadores expressam liberdade nas suas (inter)Acções e na interpretação e concretização dos Princípios que Guardiola propõe como Matriz. O seu jogar é de certa forma imprevisível, dado o timing com que o encontrar soluções acontece: no limiar do caos. É um perceber decifrando e, tendo essa Acultur-Acção o futuro (o que se procura) como elemento causal da (inter)Acção, é encarada com desafio e risco, antecipatividade, alegria, presença e concentração. É isto que lhe confere verdadeira Intensidade.


Uma Aculturação, sustentada na maximização concomitante do seu Padrão e da sua variabilidade, em que os jogadores pensam o jogo, fruto desse enraizamento orgânico (com Padrão e variabilidade), dez "jogadas" à frente.


"É algo que acontece quando os treinadores passam muito tempo num clube e a ligação é boa entre todos. Além disso, os treinadores aprendem muito com os jogadores e com outros elementos".
Guardiola na conferência de Imprensa antes do jogo com o Sporting

Cultura Táctica


Nesse sentido, o jogar do City é (tem vindo a ser), ao mesmo tempo, altamente Redundante e altamente livre e imprevisível. É um aparente paradoxo mas é esse "paradoxo" que lhe confere Orgânica e fluidez.

Para a sua evolução concorre uma continuidade, uma Aculturação através da Acção, onde a dosificação entre Colectivo e Individual, Organização e criatividade, é provável que também tenha vindo a acompanhar a aprendizagem do próprio Treinador. Quando o próprio diz que se aprende muito com os jogadores, subentendo que há em Guardiola um escutar. Parece-me inclusive, com o passar do tempo, Guardiola um pouco mais descontraído e, curiosamente, o jogo do (seu) City com uma Orgânica, passo o pleonasmo, mais viva, sem perder o essencial da Ideia que o tem vindo a guiar.



Uma nota final

"Concordo com ele que é um excelente treinador e que evoluiu bastante (sobre Rúben Amorim). É o que acontece naturalmente quando os treinadores passam muito tempo num clube e a ligação entre todos é boa".
Pep Guardiola na antevisão do jogo com o Sporting

Exemplos como o têm sido City de Guardiola (e Sporting com Amorim), têm mostrado que é possível com Visão Estratégica, Caminho, Talento e TEMPO permitir, com este tipo de continuidade, jogo de qualidade e desempenho.

- Jornalista: "Bernardo Silva disse que o City está num lugar escuro..."
- Guardiola: "Não concordo com ele. Jogámos muito bem... é um desafio... O momento é o que é. Eu gosto, adoro a vida assim."

Conjugar jogo de qualidade e desempenho de forma consistente requer por sua vez firmeza e uma consciência de si mesmo. O caminho faz-se caminhando e começando a caminhar ele começa a aparecer, sendo necessário conjugar Visão Estratégica (o pré-ver, a la longue) e sensibilidade na gestão do aqui-agora (dada a imprevisibilidade das circunstâncias).

Este raciocínio, pode ser aplicado à compreensão de qualquer sistema vivo, seja a dinâmica de um Clube, seja a da própria equipa e da sua forma de jogar. Um conhecimento de si mesmo e uma serenidade para se pensar, aferir, avaliar. Exemplos a top, onde a pressão é maior, mostram-nos que a calma e a firmeza no ser-se fiel a si mesmo, dão corpo a um caminho consistente e com narrativa, Cultura. Esse percorrer é também um perspectivar, com futurismo, o que, dado o seu carácter desconhecido e de busca, exige uma certa coragem, tanto nos momentos de ter firmeza como nos momentos de abrir o sistema ao imprevisível, no fundo, uma questão de atitude de como se lida com preparação e imprevisibilidade. Até mais, uma questão de como as concebemos, se como duas questões separadas ou se como luz e sombra, em que uma não existe sem a outra.


Guardiola parece inclusivamente divertir-se no momento em que vive pela primeira vez na sua carreira quatro derrotas seguidas. O que pode soar até a irresponsabilidade. Mas não será a verdadeira responsabilidade não se levar demasiado a sério e permitir que o processo continue a fluir como tem fluído?


Deixo algumas das declarações de Pep Guardiola nas conferências do jogo com Sporting. Penso que se poderá extrair, embora as ideias apareçam subentendidas e as frases sejam sintéticas, o essencial desta(s) problemática(s):


"Amorim meteu o Sporting noutro nível e quando isso acontece, é porque as coisas foram muito bem feitas."
"Fizemos uma grande primeira parte contra uma grande equipa. Num espaço de dois minutos, estávamos a perder por 1-3, mas é um desafio. O momento é o que é. Eu gosto, adoro a vida assim."
"É uma equipa que está há muito tempo com Amorim. Notam-se os padrões, a forma de jogar, a alegria... Tudo aquilo que fazem em campo é feito com conhecimento e por uma razão."
"Quando uma equipa ganha campeonatos, não ganha adaptando-se muito ao adversário. Acredito que vão encarar o jogo como costumam fazer. Os dois vamos tentar que o outro defenda mais."

Deixo em baixo o artigo onde abordei este tema pela primeira vez e que, de certa forma, torna o presente sua continuação e seu aprofundar.


Carlos Miguel


Referências:



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